
vertigem
toma nas tuas mãos o meu vôo,
as imperceptíveis asas recolhidas
à concha dos teus dedos.
sentes como estão trêmulas ,
como te tocam suaves?
é que todo vôo navega
até o porto.
depois é voragem,
vertigem.
silvia chueire
Se os dias, as palavras, os afetos a subirem-me pela face forem generosos e o meu olhar agudo,talvez escreva um poema, um conto. Por ora são anotações esparsas. In the meadow. Ao som do mar.
de medo
era um dia de medo sob as nuvens, um dia de música ignorada, o medo nascendo feito jato de água, do peito espalhando-se pelo corpo, a tremer tantos terremotos, a terra fosse revirar-se, a náusea a subir e descer.
era um dia de medo e nestes dias é que renunciamos viver. assim foi.
ela observava, às vezes a murmurar, nunca fora capaz do silêncio de pedra. observava, cada vértebra estremecida, pedindo : não, assim não. cada pensamento voltado para o acontecimento : a vida estancada, parada na borda do caminho à margem árida do que estava por vir.
mas nossas mãos nunca podem remover o medo alheio, por mais que prometam o paraíso. cada um procura o inferno que bem entende.
eram dias de tenebroso terror para os quais ela olhava sem acreditar que poderiam ser. dias de inundações, de ondas desgovernadas, de vozes chocando-se contra as paredes, contra a sua face incrédula.
também temeu. temeu o esquecimento de que eram felizes, tão mais felizes do que podem ser as pessoas no nosso tempo. sabia que a felicidade tem tanto peso quanto a morte, ambas não se deve esquecer.
eram dias de terror inerente. desaguaram em milhares da palavras, numa corrente líquida de palavras desesperadas, de pensamentos a procurar um nexo, qualquer nexo. mas qualquer nexo corria à solta das coisas, chorava-se a lágrima pura da dor.
era ela entre as paredes, a tecer as razões de tudo.
ela , penélope caricatural a repetir perguntas e respostas, tentando entender a turbulência . campos e campos de dor.
não se toma o medo alheio nas mãos e se o desfaz com gestos amorosos.
o medo alheio é uma intrincada floresta de dúvidas que não nos pertencem, de renúncias que não são nossas. nunca renunciou, nunca cedeu ao medo. mas a nossa coragem não é a coragem do outro.
era uma casa tristemente quieta de maio, a sua casa. tapou o seu rosto com a máscara do sorriso, calou sua voz entre as notas de uma qualquer música, e foi vivendo os pedaços da mulher que era, até que os recompusesse um dia. até renascer.
hoje, renascida, pensa : um dia a felicidade há de ser uma coisa natural.
silvia chueire
Sábados Há sábados que são uma gargalhada, uma exaltação do corpo, dos afetos. Há sábados a voar por aí que nos pertencem de...