quarta-feira, 27 de setembro de 2006















submerso


olha o teu corpo submerso
na água do tempo.
não o recuses.
não há mistérios
ou recuos, na passagem
do corpo pela terra.

não há uso no tédio da eternidade,
nem se pode fugir à trajetória
curtíssima que nos cabe,
ou pretender que ela não seja curva.

há no vento que nos sopra a vida
uma exatidão de lâmina,
nem as palavras nos excluem dele.




silvia chueire



quarta-feira, 20 de setembro de 2006




















contemporâneo


pouco se me dá a agonia lenta
da voz que me fala.
- disseste algo, honey? -

aumentemos o volume da Joplin,
há palavras de mais sendo ditas.

desvio-me verticalmente dos gestos
para alimentar a estética,
os olhos passeando pela beleza dos corpos.
tudo tão cool, tão frio.
talvez uma pequena lápide ficasse bem.

a morte, meu amor,
é algo que não sei,
mas que alimento com as mãos.



contemporary



I couldn’t care less about the slow agony
of the voice that talks to me
- did you say anything, honey? -

turn up the volume of Joplin,
too many words are being said.

I swerve vertically from gesture
to nourish aesthetics,
eyes sliding over the beauty of bodies,
everything so cool, so cold.
maybe a small gravestone would look well.

death, my love,
is something I don’t know,
but I feed it with my hands.



silvia chueire*

*ambas as versões

segunda-feira, 18 de setembro de 2006

matisse-mulher em frente à janela

















a espera


havia apenas o mar nos olhos, uma vaga aflição e a espera amorosamente tecida nas canções, quando a lâmina tirou-lhe a voz da garganta e o oceano do peito. de um só golpe decepou-lhe a realidade e o sonho.

todas as justificativas para a dor são injustificadas quando o amor é óbvio e olha com olhos de esperança. recapitulados os dias perfeitos, impecáveis, indescrití­veis dias de fascínio, nada mudou. como se um furacão de acontecimentos não a tivesse surpreendido.

"entre as quatro paredes do meu peito, só eu sei. só eu sei o que espero e o que desespero", foi a única pista rara vez sussurrada a alguém.

no mais, permanece sentada à mesma janela de sempre. diz coisas incompreensíveis vez em quando. lê um livro.ouve música. olha em torno como se acordasse do sono, entoa alguma canção qualquer, vai e volta, sorri, diz às pessoas coisas gentis, prováveis. mas permanece lá, nas noites inquietas, a conversar com ele que já não está. a espera, o desespero, raramente visíveis.


na sala, no quarto, no corpo, em todo lado os sinais da vida desfeita, que só ela sabe.


silvia chueire

quarta-feira, 13 de setembro de 2006

in the dark

Blowin the blues-Arthur James














no escuro

a noite é uma sucessão de horas no escuro
não importa, nada importa
mais uma vodka
uma garrafa de bom vinho
uma carreira branca
mais uma cançao a ser cantada
com a garganta trêmula
do sentimento que acossa
o blues magistral fatia a noite
emudecidas as conversas
resgata faces, humanas

é tarde
esgotam-se as horas
o corpo se ressente de ausências
crônicas as palavras caem
sobre o bloco
apanhado ao acaso

o corpo se ressente e cai
nos velhos braços jovens da noite
risos e mais uma dança
antes do amanhecer
sobre lençóis suspeitos


é a vida, diria depois,
condescendamos


silvia chueire

sábado, 9 de setembro de 2006














Esqueço-me


Freqüentemente me esqueço que o mundo
tem a idade do olhar dos homens
para as coisas e as mulheres,
como se fossem deuses, ou baú de brinquedos.
Que as mulheres vivem na oscilação lunar
pisando ora em lâminas,
ora na areia da praia,
em pequenas taquicardias,
a oferecerem o seio ao amante,
ou ao pequenino que alimentam
com olhos mansos.


Freqüentemente me esqueço da aguda
mortalidade nossa.
Nossa, de todas as criaturas,
transfiguradas em pó ou pedra
ou numa árvore qualquer,
sem solenidade.
Apenas porque um dia surge
depois de outro.



Freqüentemente me esqueço
e quero o teu corpo
para amá-lo, abrigar-me nele,
por ele me deixar amar
atravessada de prazer.
Acolhida por ti em luz,
alegria, música
- o desejo atendido,
a atender-te.


Porque do alto do amor
pouco me interessa a questão metafísica da morte,
ou da possibilidade de não estarmos aqui
se o tempo do olhar
não corresponde ao tempo físico.



Silvia Chueire

quarta-feira, 6 de setembro de 2006

ritmos

há uma sede de ritmos
a me embalarem nos teus passos,
nos teus braços ao redor de mim
me conduzindo a outro lugar
em que somos tão mais que as palavras.

o samba a dizer muito alto
como se dança,
meu rosto no teu sorriso,
teus olhos embriagados
na minha canção.
nossos corpos musicais
iluminando tudo,
nosso mistério.



silvia chueire

sábado, 2 de setembro de 2006




uppercut


na sua eficácia de punhal
o olhar incide
sobre o lago da iris
-sua precisão inevitável
suspende as vozes-

até o próximo gesto
até o próximo passo
ou corpo bélico
a atirar um uppercut exato
na ponta do
queixo próximo


silvia chueire

  Caos   Pandemônio instalado; as pessoas agarram sua sanidade a correr rua abaixo.   Há uma cachoeira -de mentes – a galope n...