sábado, 29 de julho de 2006

ainda (singelos) poemas curtos



espero


espero o teu olhar colado
ao meu desejo .
espero a chama das palavras
e a tua voz a morrer
quando me chamas:
vem...


silvia chueire



entrever


apenas te entrevi
e sei
das tuas mãos
- quanto mar a me tocar o corpo.
dos teus olhos entreabertos
- quanto céu a me dizer palavras.




silvia chueire



sexta-feira, 28 de julho de 2006

Árabes - XXXIV



danço


eleva-se a lua entre as minhas mãos,
meu corpo a ondular na música.
não há véus que escondam
o sentido do meu olhar que te procura.

é grande a minha pátria de montanhas
e cedros inclinada sobre o mediterrâneo,
o quarto crescente a acariciá-la.
mas não me abriga da falta.

danço para os teus olhos que não estão,
para as tuas mãos a lamberem-me a memória.
danço notas a desprenderem-se do alaúde,
e me tocarem a pele.

és tu
e não és tu.

silvia chueire


quarta-feira, 26 de julho de 2006

(singelos) poemas curtos

nada mais

não me escrevas, meu amor,
já nada mais existe.
nada mais será
aquilo que ouviste,
entre suspiro e gesto,
o corpo – a alma - disponível,
para ti já nada mais está.

silvia chueire




trair

tuas palavras,
teus pedidos,
teu amor,

percorrem-me
tornando líquido o corpo
e fraca a vontade;
o pensamento a trair-me
a decisão tomada.


silvia chueire

segunda-feira, 24 de julho de 2006

Árabes - XXXIII

trazida de: http://crimesdeguerranolibano.blogspot.com

partir


meus olhos a arrastarem-se pelo chão,
a vida destruída e lenta,
dor a pregar-se no meu corpo.


minha terra revolvida

- tinta do sangue desavisado
dos meus -
pela morte a cair do céu,
pelos pés e mãos armados.


destituída a terra do seu fim,
alimento e sombra a crescerem
sobre ela;
para ter o destino inumano,
esta invenção da guerra:
a carne do homem.

não há mais lágrimas para a dor.
afasto-me absoluto do solo,
deixo para trás meu país.

nunca mais serei eu.


silvia chueire

sexta-feira, 21 de julho de 2006

Le tableau noir - Picasso













Não

Não tiro os meus olhos do mar,
não disponho as mãos geométricas,
calmas, sobre o colo.
Mantenha-se distante ,
diz o aviso em minha testa.

Não evitarei o lugar do corpo,
- o lugar natural ao qual ele pertence -
ou o da voz. Não evitarei a canção.
Não darei voltas ao redor
do óbvio : círculos são formas repetitivas.

Não navego no discurso vazio
- os dias são poucos e raros
para silenciar a fala
com a palavra vã.
Não renego o que digo,
nem aceito arreios a atormentar-me os versos.

Não me dobram as noites longas,
cujo céu cresce, onda negra
no silêncio em torno.
O tempo não corre trajetos exatos,
amanhã cantarei a lua ou o dia.

Não me cales as palavras
de qualquer ordem
- não me calarei para que durmas em paz,
não me importas.
Não as enfeito com lirismo
elas têm brilho próprio.

O poema é a matéria
que tenho nas mãos.



Silvia Chueire

terça-feira, 18 de julho de 2006



casuarinas


Vem


Vou-me juntar a ti nesta tarde nascente que queima entre as casuarinas. Ouves o que elas murmuram olhando o mar? Palavras levíssimas a cantar um chamado. Que é nosso. Que não cala.
A tarde a encher-se de formas e sons e corpos.
Resgata-me o corpo, todas as formas e o que há dentro delas. Porque resgatando-as, as poderei oferecer a ti.
Não há pranto a encobrir abismos - talvez um dia houvesse – há um oceano a navegar. Uma ausência de medos e um longínquo cantar de sereias. Tu és a voz, a palavra pela qual percorrerei os abismos sem receio, com o prazer estremecido do desejo.

Tu és o meu delírio mais agudo, porque real. O sentido estabelecido das coisas. Como se repentinamente elas tivessem tomado seus lugares no aleatório do mundo. O sentido, o sentimento, o olhar a abandonar o corpo, onde tudo o mais são inânias e o que prevalece é o desfalecimento da entrega. As vozes vulcânicas que nos tomam, que me tomam.
Toma-me. Estaremos construindo um império de afetos e desejo a sobreviver terremotos. Porque não tememos e não somos cegos. Já sabemos bastante de cegueiras e precipícios. Piso passos cuidadosos contigo. Desabridos e cuidadosos por ti. Não esgotarei teus vícios, eles são tu. Tudo será o nosso vôo.

Neste rio que nos percorre vive uma escrita ancestral, uma palavra única, saída de algum lugar simultaneamente em nós e fora de nós .
Vem, escreve comigo todas as palavras, os gritos, os segredos que só nós sabemos. As mãos e a boca saciando a fome que não finda. Tudo é domarmos o destino, o bridão nas nossas mãos, galope pleno. Qualquer profundidade, a construiremos os dois, com a vida subindo-nos à garganta.
Só colado ao teu , meu corpo se sabe corpo. Por isso para que nada se perca, para que não nos percamos, vem.

Vem...



Silvia Chueire

sábado, 15 de julho de 2006

todo dia



todo dia noite
todo dia fundo
todo dia alado

todo dia só espaço

- vinte e quatro horas
determinadas
previamente -

apenas nossos passos
ruidosos andam o dia
e nos afastam do início
ou fim

todo o dia o mesmo dia
ou ontem ?



silvia chueire

sexta-feira, 14 de julho de 2006

amo-te








todo dia - II

todo dia ele me acordaria
entre as brumas
dos lençóis
e a maciez dos olhos.

diria o poema essencial
inesperado e rouco :
amo-te


silvia chueire



presa

tenho presa a palavra
na memória
de uma geografia que não se desfaz.

tudo me aponta uma saída:
o desdobrar do corpo
sobre si próprio,
a invenção de uma gramática,
os passos na direção do horizonte.

mas minha voz não se move,
cada vocábulo se perde
num oceno de afeto.

o poema é sempre o mesmo:

-amo-te-

silvia chueire

terça-feira, 11 de julho de 2006

Recreio dos Bandeirantes : praia - posto 10


Cartola


Entende o que sinto,
em quantas vozes torna-se a minha
desfraldada na manhã.
O sal na boca
o mar a dizer-se em ondas
quando se intromete
teu samba nos meus quadris
contidos pela hora.

Entende o que digo
quando digo que não morres
a cada vez que canto
acompanhando o ritmo
quase alucinação
de me olhares ternamente,
irmamente.
Ao meu lado o teu carinho
desfiado nos palavras da canção
que criavas.
O tempo subindo-nos pelas pernas,
o silêncio negro que interrompes,
subindo a serra na madrugada.

Entende o que canto
quando digo que a harmonia
deste samba é nossa.
Não se divide o nosso samba, meu amor.


Silvia Chueire

domingo, 9 de julho de 2006

The shore of  Tourquoise - Alfred Bierstadt

naufrágio


naufraguei nas tuas costas
ó país dos desalentos.

perdi-me nas tuas águas
a tempestade a varrer-me
o corpo em ascendido movimento

soube assim da crueldade dos gestos
da inutilidade das palavras


silvia chueire

quinta-feira, 6 de julho de 2006

imagem :anne leibovitz
a mesma canção


nas dobras do amor
- samba, choro,
blues cantado na madrugada,
seda transformando-se em mãos,
lábios em navios -
posso renascer.

descansar minhas perguntas,

meu silêncio,
meu riso aceso no teu corpo,
os murmúrios da noite
ecoando entre estas coxas
- que são minhas,
que são tuas -

e muito antes que digas,
as palavras flutuam-me,
enchem-me a boca de alegria
- frutos colhidos pelas mãos
que me alisam os seios -
verbo e fogo.

teus olhos perdidos em mim,
flores famintas
nascendo em toda parte

- do meu corpo,
do teu corpo -
a cantarem a mesma canção:
amor, meu amor.


silvia chueire

terça-feira, 4 de julho de 2006


Manhã de domingo


A manhã nublada do domingo e suas ruas quietas. A casa descansa um descanso que não é meu. Azaléas caladas na varanda, um latido ao longe, a obra na rua parada ao meio. Tudo parece ainda no resto de sono matinal.

Olho detalhadamente as coisas - casa, rua, jardim, árvores, varanda, montanhas ao longe, cão perambulando - à procura do reconforto da visão pacífica de tudo. Sorrio da minha própria ingenuidade. Pacíficas as coisas, inquieta a pessoa. Não me movo, distendendo o entendimento da inevitabilidade dos fatos. Ainda assim sem paz. Ainda assim pergunto sempre.

Jazer ali, talvez, feito coisa, apenas um objeto impensante a mais na natureza passageira de tudo.
Ou feito gato que vai passando em passos lentos; esguio, todo atenção. Essa atenção esquiva, própria, enigmática, que não pergunta, mas tem propósitos.

Jazer, nem um pensamento a atormentar-me com os porquês.
Reunir-me à buganvília , toda silêncio e espinhos, a usufruir o sol.

E nem uma palavra.


Silvia Chueire

segunda-feira, 3 de julho de 2006

de amor - XII

para a.f.


nada disto é explicável.
nenhuma das palavras surpreendentes
que dissemos.
nem quando ou porque surgiu o amor.

não se explica a sensibilidade
extrema no seu nascimento,
o cuidado,
o desvelo dos gestos.

nunca soube porque entendia
mesmo o que não dizias,
nem como soubeste de mim, sempre.
nossos beijos,
as mãos, as bocas,
a percorrerem o mundo
dos corpos no amor.


como nos abandonamos,
sem receio.
o que os lábios sabiam antes de nós,
a pele, os olhos.

a intensidade deste encontro
nadando nas pálpebras,
nos dias.
a estender-se nas palavras.

nunca sei,
não se explica o amor.


silvia chueire



  Caos   Pandemônio instalado; as pessoas agarram sua sanidade a correr rua abaixo.   Há uma cachoeira -de mentes – a galope n...