Se os dias, as palavras, os afetos a subirem-me pela face forem generosos e o meu olhar agudo,talvez escreva um poema, um conto. Por ora são anotações esparsas. In the meadow. Ao som do mar.
terça-feira, 26 de dezembro de 2006
sexta-feira, 15 de dezembro de 2006
domingo, 10 de dezembro de 2006
legado
quarta-feira, 29 de novembro de 2006
fazer de conta
faço de conta que é outra coisa
e finco os pés nos dias
como se tivesse forças
para colhê-los sozinha.
sempre um dia e outro,
não exatamente iguais,
nem exatamente opostos.
debruço-me sobre o papel,
a caneta carregada de palavras
que se articularão a despeito de mim
feito desconhecidas falando entre si
uma língua cifrada.
escrevo-as.
não há outro caminho.
silvia chueire
terça-feira, 21 de novembro de 2006
dois poemas
às vezes
a vida é um sono
- um sonho ? –
imagens difusas e paradas
dias e noites em infusão
no tempo
olhamos para ela
os olhos descrentes
de que possa começar a andar
quando menos percebemos
carrega-nos para além de nós.
silvia chueire
ao modo de fotografar
quando olho sei que fotografo.
descubro a permanência da luz,
a terrível permanência da luz,
suas nuances impressas.
quando olho ao modo de fotografar
incidindo a lâmina da imagem na retina,
na memória a alma da circunstância,
sei que estou cativa.
e um vento frio me percorre o corpo.
silvia chueire
terça-feira, 14 de novembro de 2006
quinta-feira, 9 de novembro de 2006
Uma fotografia
Uma fotografia pode ser uma faca profunda
e ácida na pele dos vivos
- se os olhos sentem-se queimados
pelo desconsolo do tempo.
Pode ser um afago a tocar a música
de uma memória que vive
seu lugar inextinguível
- se as mãos preservaram
o sentido do toque.
Uma fotografia pode apenas não ser ;
esvaziada de significado,
morrerá
- assim que desviarmos o olhar.
Silvia Chueire
domingo, 5 de novembro de 2006
a título de despedida
respirar a cidade
respiro a cidade
com a força de quem não a quer deixar fugir,
a intenção firme de trazê-la
um pouco mais para mim.
não a perder,
tê-la sob a pele.
a luz, o espetáculo do rio,
os telhados numa alegoria da vida
que percorre as ruas e os sorrisos,
as casas e a melancolia.
respiro a cidade
- o país -
com a determinação de manter a memória
viva, a cidade pulsando
no meu corpo,
os rostos dos amigos brilhando
na noite, as garrafas de vinho
e as palavras ouvidas nos dias.
nos dias o sol e a chuva
a produzirem novas cores.
respiro a cidade
antes de deixá-la,
levo-a comigo.
silvia chueire
segunda-feira, 30 de outubro de 2006
árabes - XXXV
segunda-feira, 23 de outubro de 2006
domingo, 22 de outubro de 2006
o dia
o dia
habitas uma terra antiga
e voltas os teus olhos
para a noite que te cerca.
perdes o dia
- novo, novo -
que te sobe pelas pernas,
agarrado a elas,
falando-te palavras
novas em cor e som.
perdes o dia
que iluminará o escuro
que te toma os olhos,
não importando se a morte vem.
silvia chueire
quarta-feira, 18 de outubro de 2006
poemas curtos
do algarve
I
um dia falei de outro céu,
hoje é de outro mar que digo,
nos braços do mesmo céu,
a me alagar os olhos.
II
as rochas e o silêncio rompido
pelas ondas em protesto.
tantas vezes me parece que sou mar.
III
disposto a adotar o outro
se a amizade nos abre os olhos
e o afeto à beleza,
à partilha.
aí somos um mundo.
silvia chueire
terça-feira, 10 de outubro de 2006
És só minha quando te mostras a mim
na noite pregada à Lua
pregada ao Tejo
que respira dentro dos meus olhos
És só minha quando te despes
silenciosamente iluminada
nas minhas mãos cheias de um copo
cheio de vinho
És absolutamente minha
quando te descobres nos corpos
e nas bocas
que sorriem do alto dos beijos
no alto do Bairro Alto
Silvia Chueire
quinta-feira, 5 de outubro de 2006
segunda-feira, 2 de outubro de 2006
não é o mesmo
hoje o amor não é o mesmo.
o céu pesa, gris,
cheio de contradições
entre beleza e angústia.
não é o mesmo, o amor,
ignora as nuvens.
acima, além, adiante
das palavras
que apenas o roçam
-aves que seguem fúteis
rumo ao sul ou ao norte -
o amor se reconstrói
lentamente,
calmamente.
longe dos que não o conhecem
e vivem arremedos,
máscaras,
mas tecem considerações
- técnicos do afeto .
longe dos amargos,
A ignorar previsões sombrias.
hoje o amor é outro
a dizer o que deseja,
a afirmar-se em cada ato,
a boca cheia de beijos.
silvia chueire
quarta-feira, 27 de setembro de 2006
submerso
olha o teu corpo submerso
na água do tempo.
não o recuses.
não há mistérios
ou recuos, na passagem
do corpo pela terra.
não há uso no tédio da eternidade,
nem se pode fugir à trajetória
curtíssima que nos cabe,
ou pretender que ela não seja curva.
há no vento que nos sopra a vida
uma exatidão de lâmina,
nem as palavras nos excluem dele.
silvia chueire
quarta-feira, 20 de setembro de 2006
contemporâneo
pouco se me dá a agonia lenta
da voz que me fala.
- disseste algo, honey? -
aumentemos o volume da Joplin,
há palavras de mais sendo ditas.
desvio-me verticalmente dos gestos
para alimentar a estética,
os olhos passeando pela beleza dos corpos.
tudo tão cool, tão frio.
talvez uma pequena lápide ficasse bem.
a morte, meu amor,
é algo que não sei,
mas que alimento com as mãos.
contemporary
I couldn’t care less about the slow agony
of the voice that talks to me
- did you say anything, honey? -
turn up the volume of Joplin,
too many words are being said.
I swerve vertically from gesture
to nourish aesthetics,
eyes sliding over the beauty of bodies,
everything so cool, so cold.
maybe a small gravestone would look well.
death, my love,
is something I don’t know,
but I feed it with my hands.
silvia chueire*
*ambas as versões
segunda-feira, 18 de setembro de 2006
a espera
havia apenas o mar nos olhos, uma vaga aflição e a espera amorosamente tecida nas canções, quando a lâmina tirou-lhe a voz da garganta e o oceano do peito. de um só golpe decepou-lhe a realidade e o sonho.
todas as justificativas para a dor são injustificadas quando o amor é óbvio e olha com olhos de esperança. recapitulados os dias perfeitos, impecáveis, indescritíveis dias de fascínio, nada mudou. como se um furacão de acontecimentos não a tivesse surpreendido.
"entre as quatro paredes do meu peito, só eu sei. só eu sei o que espero e o que desespero", foi a única pista rara vez sussurrada a alguém.
no mais, permanece sentada à mesma janela de sempre. diz coisas incompreensíveis vez em quando. lê um livro.ouve música. olha em torno como se acordasse do sono, entoa alguma canção qualquer, vai e volta, sorri, diz às pessoas coisas gentis, prováveis. mas permanece lá, nas noites inquietas, a conversar com ele que já não está. a espera, o desespero, raramente visíveis.
na sala, no quarto, no corpo, em todo lado os sinais da vida desfeita, que só ela sabe.
silvia chueire
quarta-feira, 13 de setembro de 2006
in the dark
no escuro
a noite é uma sucessão de horas no escuro
não importa, nada importa
mais uma vodka
uma garrafa de bom vinho
uma carreira branca
mais uma cançao a ser cantada
com a garganta trêmula
do sentimento que acossa
o blues magistral fatia a noite
emudecidas as conversas
resgata faces, humanas
é tarde
esgotam-se as horas
o corpo se ressente de ausências
crônicas as palavras caem
sobre o bloco
apanhado ao acaso
o corpo se ressente e cai
nos velhos braços jovens da noite
risos e mais uma dança
antes do amanhecer
sobre lençóis suspeitos
é a vida, diria depois,
condescendamos
silvia chueire
sábado, 9 de setembro de 2006
Esqueço-me
Freqüentemente me esqueço que o mundo
tem a idade do olhar dos homens
para as coisas e as mulheres,
como se fossem deuses, ou baú de brinquedos.
Que as mulheres vivem na oscilação lunar
pisando ora em lâminas,
ora na areia da praia,
em pequenas taquicardias,
a oferecerem o seio ao amante,
ou ao pequenino que alimentam
com olhos mansos.
Freqüentemente me esqueço da aguda
mortalidade nossa.
Nossa, de todas as criaturas,
transfiguradas em pó ou pedra
ou numa árvore qualquer,
sem solenidade.
Apenas porque um dia surge
depois de outro.
Freqüentemente me esqueço
e quero o teu corpo
para amá-lo, abrigar-me nele,
por ele me deixar amar
atravessada de prazer.
Acolhida por ti em luz,
alegria, música
- o desejo atendido,
a atender-te.
Porque do alto do amor
pouco me interessa a questão metafísica da morte,
ou da possibilidade de não estarmos aqui
se o tempo do olhar
não corresponde ao tempo físico.
Silvia Chueire
quarta-feira, 6 de setembro de 2006
ritmos
a me embalarem nos teus passos,
nos teus braços ao redor de mim
me conduzindo a outro lugar
em que somos tão mais que as palavras.
o samba a dizer muito alto
como se dança,
meu rosto no teu sorriso,
teus olhos embriagados
na minha canção.
nossos corpos musicais
iluminando tudo,
nosso mistério.
silvia chueire
sábado, 2 de setembro de 2006
quinta-feira, 31 de agosto de 2006
segunda-feira, 28 de agosto de 2006
sexta-feira, 25 de agosto de 2006
sobre morrer - o sangue
terça-feira, 22 de agosto de 2006
a palavra
quinta-feira, 17 de agosto de 2006
Paraty
paraty - II
o vinho cresce na boca
elevado a poema
alonga-se nas mãos
a escrever palavras
sob a água flutuam os olhos
lassos deitam-se na calma da tarde
o presente é mais que a memória
silvia chueire
paraty - III
a cidade acorda
com as crianças e as pessoas
em torno das palavras
livros
e cirandas
sob o céu de agosto
o gosto de cachaça
e frutos do mar
mistura-se ao romance
ao poema
à história dos homens
silvia chueire
segunda-feira, 14 de agosto de 2006
de medo
era um dia de medo sob as nuvens, um dia de música ignorada, o medo nascendo feito jato de água, do peito espalhando-se pelo corpo, a tremer tantos terremotos, a terra fosse revirar-se, a náusea a subir e descer.
era um dia de medo e nestes dias é que renunciamos viver. assim foi.
ela observava, às vezes a murmurar, nunca fora capaz do silêncio de pedra. observava, cada vértebra estremecida, pedindo : não, assim não. cada pensamento voltado para o acontecimento : a vida estancada, parada na borda do caminho à margem árida do que estava por vir.
mas nossas mãos nunca podem remover o medo alheio, por mais que prometam o paraíso. cada um procura o inferno que bem entende.
eram dias de tenebroso terror para os quais ela olhava sem acreditar que poderiam ser. dias de inundações, de ondas desgovernadas, de vozes chocando-se contra as paredes, contra a sua face incrédula.
também temeu. temeu o esquecimento de que eram felizes, tão mais felizes do que podem ser as pessoas no nosso tempo. sabia que a felicidade tem tanto peso quanto a morte, ambas não se deve esquecer.
eram dias de terror inerente. desaguaram em milhares da palavras, numa corrente líquida de palavras desesperadas, de pensamentos a procurar um nexo, qualquer nexo. mas qualquer nexo corria à solta das coisas, chorava-se a lágrima pura da dor.
era ela entre as paredes, a tecer as razões de tudo.
ela , penélope caricatural a repetir perguntas e respostas, tentando entender a turbulência . campos e campos de dor.
não se toma o medo alheio nas mãos e se o desfaz com gestos amorosos.
o medo alheio é uma intrincada floresta de dúvidas que não nos pertencem, de renúncias que não são nossas. nunca renunciou, nunca cedeu ao medo. mas a nossa coragem não é a coragem do outro.
era uma casa tristemente quieta de maio, a sua casa. tapou o seu rosto com a máscara do sorriso, calou sua voz entre as notas de uma qualquer música, e foi vivendo os pedaços da mulher que era, até que os recompusesse um dia. até renascer.
hoje, renascida, pensa : um dia a felicidade há de ser uma coisa natural.
silvia chueire
quarta-feira, 9 de agosto de 2006
a cama
a cama dobrada sobre mim;
silhueta a levar-me
para o verde dos teus olhos
e a ternura colada aos gestos.
o horizonte dos lençóis,
a canção ao fundo,
a recolherem-me aos teus braços,
à memória úmida dos teus braços,
à tua voz suave a dizer-me
quantos oceanos se pode atravessar
numa viagem inequívoca.
silvia chueire
domingo, 6 de agosto de 2006
o poema
como escrever o poema,
quando as palavras não dizem
o que há a ser dito
e dançam sua própria dança louca,
para a qual não tenho estratagema ?
o poema devia nascer naturalmente,
da percepção para algum lugar
sem letras.
linguagem, mas não vocábulo,
a estruturar-se
tocando o âmago das pessoas
e das coisas.
impalpável feito a música,
a beleza da arte;
gesto fugidio e definitivo.
devia dizer-nos muito antes
que o disséssemos,
inscrito no lugar além
da mera humanidade,
sendo ainda essência do humano.
intocável o poema pousaria
em nossos ombros,
levíssimo,
no momento apropriado a acontecer
- apenas tempo suficiente
para nos iluminar.
não sendo matéria
estaria ao mesmo tempo
contido em toda ela,
em qualquer ato.
contido também nos desacatos,
no vinho a descer-nos
a garganta , no riso,
a roubar-nos a razão, roubando o siso.
nas costas flageladas pela tirania,
quando é delas que desliza o pranto,
e há que haver a voz da injúria,
do protesto.
no desejante abraço dos amantes,
quando tudo sorri e comemora.
devia ser encontro , o poema,
silencioso e só, conosco mesmos.
na busca incessante da poesia,
em qualquer gesto feito a esmo.
encontro de silêncios
e de ritmo,
oculto dos olhares das pessoas.
a flor
- desdita , mas presente -
que surge feito coisa à toa,
em sendo da nossa alma o afluente.
silvia chueire
quarta-feira, 2 de agosto de 2006
sábado, 29 de julho de 2006
ainda (singelos) poemas curtos
sexta-feira, 28 de julho de 2006
Árabes - XXXIV
danço
eleva-se a lua entre as minhas mãos,
meu corpo a ondular na música.
não há véus que escondam
o sentido do meu olhar que te procura.
é grande a minha pátria de montanhas
e cedros inclinada sobre o mediterrâneo,
o quarto crescente a acariciá-la.
mas não me abriga da falta.
danço para os teus olhos que não estão,
para as tuas mãos a lamberem-me a memória.
danço notas a desprenderem-se do alaúde,
e me tocarem a pele.
és tu
e não és tu.
silvia chueire
quarta-feira, 26 de julho de 2006
(singelos) poemas curtos
não me escrevas, meu amor,
já nada mais existe.
nada mais será
aquilo que ouviste,
entre suspiro e gesto,
o corpo – a alma - disponível,
para ti já nada mais está.
silvia chueire
trair
tuas palavras,
teus pedidos,
teu amor,
percorrem-me
tornando líquido o corpo
e fraca a vontade;
o pensamento a trair-me
a decisão tomada.
silvia chueire
segunda-feira, 24 de julho de 2006
Árabes - XXXIII
partir
meus olhos a arrastarem-se pelo chão,
a vida destruída e lenta,
dor a pregar-se no meu corpo.
minha terra revolvida
- tinta do sangue desavisado
dos meus -
pela morte a cair do céu,
pelos pés e mãos armados.
destituída a terra do seu fim,
alimento e sombra a crescerem
sobre ela;
para ter o destino inumano,
esta invenção da guerra:
a carne do homem.
não há mais lágrimas para a dor.
afasto-me absoluto do solo,
deixo para trás meu país.
nunca mais serei eu.
silvia chueire
sexta-feira, 21 de julho de 2006
Não
Não tiro os meus olhos do mar,
não disponho as mãos geométricas,
calmas, sobre o colo.
Mantenha-se distante ,
diz o aviso em minha testa.
Não evitarei o lugar do corpo,
- o lugar natural ao qual ele pertence -
ou o da voz. Não evitarei a canção.
Não darei voltas ao redor
do óbvio : círculos são formas repetitivas.
Não navego no discurso vazio
- os dias são poucos e raros
para silenciar a fala
com a palavra vã.
Não renego o que digo,
nem aceito arreios a atormentar-me os versos.
Não me dobram as noites longas,
cujo céu cresce, onda negra
no silêncio em torno.
O tempo não corre trajetos exatos,
amanhã cantarei a lua ou o dia.
Não me cales as palavras
de qualquer ordem
- não me calarei para que durmas em paz,
não me importas.
Não as enfeito com lirismo
elas têm brilho próprio.
O poema é a matéria
que tenho nas mãos.
Silvia Chueire
terça-feira, 18 de julho de 2006
Vem
Vou-me juntar a ti nesta tarde nascente que queima entre as casuarinas. Ouves o que elas murmuram olhando o mar? Palavras levíssimas a cantar um chamado. Que é nosso. Que não cala.
Resgata-me o corpo, todas as formas e o que há dentro delas. Porque resgatando-as, as poderei oferecer a ti.
Não há pranto a encobrir abismos - talvez um dia houvesse – há um oceano a navegar. Uma ausência de medos e um longínquo cantar de sereias. Tu és a voz, a palavra pela qual percorrerei os abismos sem receio, com o prazer estremecido do desejo.
Tu és o meu delírio mais agudo, porque real. O sentido estabelecido das coisas. Como se repentinamente elas tivessem tomado seus lugares no aleatório do mundo. O sentido, o sentimento, o olhar a abandonar o corpo, onde tudo o mais são inânias e o que prevalece é o desfalecimento da entrega. As vozes vulcânicas que nos tomam, que me tomam.
Toma-me. Estaremos construindo um império de afetos e desejo a sobreviver terremotos. Porque não tememos e não somos cegos. Já sabemos bastante de cegueiras e precipícios. Piso passos cuidadosos contigo. Desabridos e cuidadosos por ti. Não esgotarei teus vícios, eles são tu. Tudo será o nosso vôo.
Neste rio que nos percorre vive uma escrita ancestral, uma palavra única, saída de algum lugar simultaneamente em nós e fora de nós .
Vem, escreve comigo todas as palavras, os gritos, os segredos que só nós sabemos. As mãos e a boca saciando a fome que não finda. Tudo é domarmos o destino, o bridão nas nossas mãos, galope pleno. Qualquer profundidade, a construiremos os dois, com a vida subindo-nos à garganta.
Só colado ao teu , meu corpo se sabe corpo. Por isso para que nada se perca, para que não nos percamos, vem.
Vem...
Silvia Chueire
sábado, 15 de julho de 2006
todo dia
todo dia noite
todo dia fundo
todo dia alado
todo dia só espaço
- vinte e quatro horas
determinadas
previamente -
apenas nossos passos
ruidosos andam o dia
e nos afastam do início
ou fim
todo o dia o mesmo dia
ou ontem ?
silvia chueire
sexta-feira, 14 de julho de 2006
amo-te
todo dia - II
todo dia ele me acordaria
entre as brumas
dos lençóis
e a maciez dos olhos.
diria o poema essencial
inesperado e rouco :
amo-te
silvia chueire
presa
tenho presa a palavra
na memória
de uma geografia que não se desfaz.
tudo me aponta uma saída:
o desdobrar do corpo
sobre si próprio,
a invenção de uma gramática,
os passos na direção do horizonte.
mas minha voz não se move,
cada vocábulo se perde
num oceno de afeto.
o poema é sempre o mesmo:
-amo-te-
silvia chueire
terça-feira, 11 de julho de 2006
Entende o que sinto,
em quantas vozes torna-se a minha
desfraldada na manhã.
O sal na boca
o mar a dizer-se em ondas
quando se intromete
teu samba nos meus quadris
contidos pela hora.
Entende o que digo
quando digo que não morres
a cada vez que canto
acompanhando o ritmo
quase alucinação
de me olhares ternamente,
irmamente.
Ao meu lado o teu carinho
desfiado nos palavras da canção
que criavas.
O tempo subindo-nos pelas pernas,
o silêncio negro que interrompes,
subindo a serra na madrugada.
Entende o que canto
quando digo que a harmonia
deste samba é nossa.
Não se divide o nosso samba, meu amor.
Silvia Chueire
domingo, 9 de julho de 2006
quinta-feira, 6 de julho de 2006
nas dobras do amor
- samba, choro,
blues cantado na madrugada,
seda transformando-se em mãos,
lábios em navios -
posso renascer.
descansar minhas perguntas,
meu riso aceso no teu corpo,
os murmúrios da noite
ecoando entre estas coxas
- que são minhas,
que são tuas -
e muito antes que digas,
as palavras flutuam-me,
enchem-me a boca de alegria
- frutos colhidos pelas mãos
que me alisam os seios -
verbo e fogo.
teus olhos perdidos em mim,
flores famintas
nascendo em toda parte
- do meu corpo,
do teu corpo -
a cantarem a mesma canção:
amor, meu amor.
silvia chueire
terça-feira, 4 de julho de 2006
A manhã nublada do domingo e suas ruas quietas. A casa descansa um descanso que não é meu. Azaléas caladas na varanda, um latido ao longe, a obra na rua parada ao meio. Tudo parece ainda no resto de sono matinal.
Olho detalhadamente as coisas - casa, rua, jardim, árvores, varanda, montanhas ao longe, cão perambulando - à procura do reconforto da visão pacífica de tudo. Sorrio da minha própria ingenuidade. Pacíficas as coisas, inquieta a pessoa. Não me movo, distendendo o entendimento da inevitabilidade dos fatos. Ainda assim sem paz. Ainda assim pergunto sempre.
Jazer ali, talvez, feito coisa, apenas um objeto impensante a mais na natureza passageira de tudo.
Ou feito gato que vai passando em passos lentos; esguio, todo atenção. Essa atenção esquiva, própria, enigmática, que não pergunta, mas tem propósitos.
Jazer, nem um pensamento a atormentar-me com os porquês.
Reunir-me à buganvília , toda silêncio e espinhos, a usufruir o sol.
E nem uma palavra.
Silvia Chueire
segunda-feira, 3 de julho de 2006
de amor - XII
para a.f.
nada disto é explicável.
nenhuma das palavras surpreendentes
que dissemos.
nem quando ou porque surgiu o amor.
não se explica a sensibilidade
extrema no seu nascimento,
o cuidado,
o desvelo dos gestos.
nunca soube porque entendia
mesmo o que não dizias,
nem como soubeste de mim, sempre.
nossos beijos,
as mãos, as bocas,
a percorrerem o mundo
dos corpos no amor.
como nos abandonamos,
sem receio.
o que os lábios sabiam antes de nós,
a pele, os olhos.
a intensidade deste encontro
nadando nas pálpebras,
nos dias.
a estender-se nas palavras.
nunca sei,
não se explica o amor.
silvia chueire
sexta-feira, 30 de junho de 2006
choveu ontem , os carros passavam rápidos, água espanando as pessoas que esperavam no ponto de ônibus. mais tarde, ao olhar a noite no deserto da rua vi tua face refletida nas poças junto à calçada.
não há mistério no meu rosto ao espreitar o céu, acabado de lavar, negro, as estrelas largadas no aleatório.
não há mistério no meu rosto, não há mistério no teu.
há uma multidão e nem uma pessoa. são faces passageiras, perdidas, até que alguém toque a solidão do outro.
desvendei teu segredo. soube das tuas mãos presas no calabouço do medo. o corpo rendido à própria fraqueza, acuado pelos cães da angústia. o amor a desafiar tua vida segura pela própria fragilidade, literária .
desvendei teu segredo, o outro lado, a outra face, o outro homem. a montanha de contradições, delírio noturno e assombrado. o pranto oculto. o fantasma a perambular, ora hesitante ora agudo pelo labirinto das salas sem alma, das mãos femininas, das casas. as palavras a ocultarem tua verdadeira face.
desvendei teu segredo e secaria tuas lágrimas, fosse isso possível. o faria suavemente, sem mãos, sem palavras, apenas um olhar, próximo, continente.
desvendei teu segredo e não podes ver-me porque estás cego e eu ardo nos dias e noites. e porque ardo não podes me ver, estás cego e frio.
saberias que tenho um corpo e palavras e silêncios e um amor liberto. talvez desvendasses os meus segredos. talvez.
silvia chueire
quarta-feira, 28 de junho de 2006
poemas curtos
no olhar alado do
desejo
perdem-se todas as palavras
desenha-se o gozo.
entrega
entregar-me
ao teu corpo inclinado
a boca a falar todas
as línguas
silvia chueire
segunda-feira, 26 de junho de 2006
escuta
escuta o que te digo.
escuta através das palavras,
além delas,
o outro lado do muro.
escuta a ternura .
não te atenhas ao rabisco das letras,
à sonoridade,
ou à forma.
escuta as outras canções que canto,
o colo ofertado sem medo,
as palavras a brotarem
das minhas mãos,
da minha pele ,
do meu sexo.
escuta os gestos , os braços,
as coxas trêmulas,
as palavras indizíveis,
as ditas,
as obscenas.
escuta a flor que renasce
e não diz versos, mas deseja.
e desejando encontra a poesia
a liberdade da paixão,
o poema.
escuta o que digo
para além do poema.
o olhar oceânico,
de quem sorri e chora
e não sabe ainda nada.
escuta-me
ou nunca saberemos
o que poderia ser.
silvia chueire
sábado, 24 de junho de 2006
Deslizou um rio nos teus braços
e não percebeste
as margens da água estendidas.
E não viste a líquida pele
encostada à tua.
Brandiste a palavra,
lâmina contra o dia.
Teu olhar colado ao espelho
ignorou a flor sinuosa
oferecida a ti.
Não é impune o gesto
embaraçado na arrogância,
no amor a si próprio.
Não encontrarás palavras
na imagem virtual,
apenas eco.
Delineias teu destino :
absoluta solidão.
Sem lábios que te acolham.
Silvia Chueire
sexta-feira, 23 de junho de 2006
Árabes - XXXII
Fogueira
séc XIII
Queimam-se os livros e todas as palavras-fumaça
enchem-me os pulmões de mágoa.
Onde estão Allah e seus homens,
enquanto outros humanos nos tiram a alma
expondo nosso sofrimento
nas pilhas de livros retorcidos?
Ah, esta adaga cravada, a fogueira,
sem música,
sem vozes que a tristeza.
As idéias escritas a evaporarem-se
nas chamas.
Mulher que sou,
desprezo o chador,
escrevo a revolta à sombra do carvalho.
Escrever é minha vingança,
os livros a arderem, minha dor.
Silvia Chueire
quinta-feira, 22 de junho de 2006
no azul
Caos Pandemônio instalado; as pessoas agarram sua sanidade a correr rua abaixo. Há uma cachoeira -de mentes – a galope n...
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imagem : anne leibovitz a mesma canção nas dobras do amor - samba, choro, blues cantado na madrugada, seda transformando-se em mãos, lábio...
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Dobra-se o tempo. Num arrepio as coisas não estão mais lá; tudo é realidade sobre realidade. Nossa ingenuidade - arrogân...
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Caos Pandemônio instalado; as pessoas agarram sua sanidade a correr rua abaixo. Há uma cachoeira -de mentes – a galope n...